A COP26, realizada em Glasgow (Escócia) terminou no último final de semana após duas semanas de debates e negociações sobre tudo que ronda o aquecimento global e as mudanças climáticas. Muitas pessoas têm chamado o encontro deste ano de sucesso, mas outros vêm tratando-o como um tremendo fracasso. Talvez o resultado final seja um misto entre os dois pontos de vista.
Primeira menção aos combustíveis fósseis, mesmo que com várias ressalvas
A COP26 trouxe a primeira menção ao papel dos combustíveis fósseis na crise climática global. Essa menção é algo que nem mesmo o Acordo de Paris foi capaz de alcançar. O Pacto Climático de Glasgow chama a atenção para a falta de ações para a redução no uso de carvão mineral e os subsídios ineficientes para o uso de combustíveis fósseis.
O assunto chegou a ser discutido diversas vezes, mas sempre era diluído. As ações de países como Índia e Irã trouxeram à tona o assunto, uma vez que, de acordo com o governo indiano, o carvão mineral precisa ser “reduzido”, e não “eliminado”. De acordo com alguns observadores e especialistas da área, o movimento feito soa como uma cláusula de retirada que permitiria o uso contínuo de carvão mineral.
De acordo com a diretora executiva do Greenpeace International, Jennifer Morgan, a inclusão do carvão pode ser vista como uma vitória. “A meta de 1,5°C está viva por um triz, mas um sinal foi enviado de que a era do carvão está terminando. E isso que realmente importa”, disse a diretora.
2022 – Um ano de recomposição mundial
Talvez o ponto mais importante das duas semanas de reuniões foi a solicitação para que as partes compareçam à COP27 no próximo ano no Egito com planos atualizados sobre como reduzir as emissões de gases do efeito estufa (GEEs) até 2030. Anteriormente, o Acordo de Paris previa que os países signatários só eram obrigados a atualizar suas metas até 2025.
O objetivo dessa medida é que os países atualizem suas metas com mais regularidade, o que deve significar uma aceleração para emissão líquida zero – estado em que a quantidade de GEEs emitidos não é maior que a quantidade de gases retirados da atmosfera terrestre.
Segundo um relatório publicado pela Organização das Nações Unidas em agosto, para que a meta de aquecimento global fosse mantida em 1,5°C, as emissões de gases poluentes deveriam cair pela metade e o mundo precisaria chegar às emissões líquidas zero em meados do século.
Mas, os países cumprirão esse objetivo?
Nick Mabey, co-fundador e diretor executivo do grupo de reflexão climática E3G, afirmou que os países que concordaram com esses termos responderão pelos danos climáticos e pelo não cumprimento das metas. “Ao concordar com este pacote de emergência, eles responderam aos crescentes danos climáticos com um plano de ação para manter a meta de 1,5ºC ao alcance”, afirma Mabey.
Além disso, as nações mais ricas do mundo concordaram, há mais de 10 anos, em transferir US$ 100 bilhões por ano para ajudar na transformação da matriz energética dos países em desenvolvimento. Não só o mundo rico falhou em entregar os US$ 100 bilhões até o prazo de 2020, como também as nações em desenvolvimento dizem que isso não chega nem perto do suficiente. Eles vinham pedindo uma divisão 50-50 entre mitigação – medidas para reduzir as emissões – e adaptação que os ajudasse a lidar com as consequências das mudanças climáticas. Muito mais dinheiro fluiu para medidas focadas no corte de emissões.
Para evitar que isso ocorra novamente, o Acordo de Glasgow inclui uma duplicação do dinheiro para adaptação até 2025, em relação aos níveis de 2019. Mas a meta de US$ 100 bilhões ainda está fora do caminho, e provavelmente só será cumprida até 2023, conforme constatou um relatório da presidência da COP26. Também há dúvidas sobre se as nações desenvolvidas manterão esse nível de financiamento anualmente.
O presidente e diretor-executivo da World Resources Institute, Ani Dasgupta, ressaltou que é significativo que o resultado final da COP26 coloque aos países mais desenvolvidos a obrigação de relatar seu progresso em direção à meta de US$ 100 bilhões. “É significativo que o resultado final da COP26 coloque os países desenvolvidos na obrigação de relatar seu progresso em direção à meta de US$ 100 bilhões. Os países também avançaram no desenvolvimento de uma nova meta financeira que vai além de 2025. As nações também concordaram em pelo menos o dobro do financiamento para adaptação até 2025, implicando em pelo menos US$ 40 bilhões, o que é um progresso muito importante”, afirmou.
Nenhum fundo de responsabilidade global foi criado
Muitos países em desenvolvimento e vulneráveis voltaram da COP26 frustrados com a não criação de um fundo de responsabilidade global para o pagamento pela destruição com a crise climática. Havia grande esperança para a criação do fundo para o pagamento aos países mais afetados pelas destruições causadas por eventos climáticos extremos.
A intenção era que as nações mais ricas do mundo pagassem por isso. Por exemplo, se um país considerado vulnerável sofresse uma catástrofe climática oriunda das mudanças climáticas, o dinheiro desse “fundo” mundial ajudaria na reconstrução da área atingida. Na linguagem climática, isso é chamado de “perda e dano”.
O Acordo reconhece a importância das perdas e danos e concorda com o aumento da assistência técnica por parte dos países mais ricos aos mais vulneráveis. Porém, ao invés de concordar na criação do fundo, há a exigência de mais diálogo e negociações. Isso significa que o fundo real pode levar anos para ser criado.
O livro de regras do Acordo de Paris
Se há uma boa notícia ao final da COP26, mas de baixa celeridade nos processos, é que no sábado o mundo concordou com as regras que estavam pendentes do Acordo de Paris, assinado em 2015.
O grande ponto que travava o “aceite” mundial sobre o Acordo de Paris era o famoso Artigo 6, que trata da criação de um mecanismo de emissão de carbono, ou o Mercado Internacional de Carbono. O Artigo 6 é de natureza tão técnica que demorou seis anos para que o mundo chegasse a um consenso sobre o assunto.
Uma brecha que poderia ter permitido que alguns países contassem o dobro de seus créditos de carbono também gerava preocupação. E isso seria desastroso, pois o mundo logo perderia a noção de quanto gás de efeito estufa está realmente sendo removido ou compensado e vendido nos mercados.
Uma forma de compensar os GEEs seria pagar aos países com grande cobertura florestal para não cortar suas árvores ou para plantar mais delas. O Brasil era um dos grandes interessados neste acordo, pois poderia se tornar um grande exportador de créditos de carbono através da Amazônia, mas também por meio de projetos e investimento em energia renovável, como eólica e solar.
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